Carlos Gonçalves
Membro da Comissão Política do Comité Central do PCP

<font color=0093dd>Sobre a reconfiguração do Estado</font>

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A questão do Es­tado é ma­téria fun­da­mental para a de­fi­nição e jus­teza da in­ter­venção e ori­en­tação do PCP.

Par­tindo da te­oria mar­xista da luta de classes, que ex­plica a origem e na­tu­reza do Es­tado, «pro­duto vivo da his­tória so­cial» e «má­quina para a opressão» da classe do­mi­nante, o Par­tido, no VI Con­gresso, em 1965, de­finiu o fas­cismo como «di­ta­dura ter­ro­rista dos mo­no­pó­lios, as­so­ci­ados ao im­pe­ri­a­lismo, e dos la­ti­fun­diá­rios» e apontou a des­truição do Es­tado fas­cista e a sua subs­ti­tuição por um Es­tado De­mo­crá­tico como «ob­jec­tivo cen­tral da Re­vo­lução De­mo­crá­tica e Na­ci­onal e con­dição pri­meira e in­dis­pen­sável» da sua con­cre­ti­zação.

Após o 25 de Abril, tra­vámos duras ba­ta­lhas com este ob­jec­tivo. E re­sultou uma si­tu­ação com «ele­mentos ca­rac­te­rís­ticos do Es­tado De­mo­crá­tico, sem que este tenha sido com­ple­ta­mente cons­truído».

A Re­vo­lução de Abril, «ina­ca­bada», criou e verteu na Cons­ti­tuição da Re­pú­blica a re­sul­tante do equi­lí­brio re­la­tivo das forças de classe em pre­sença – um Es­tado ex­pressão de de­mo­cracia par­ti­ci­pada, de re­le­vantes con­quistas po­pu­lares e su­porte para novas mu­danças pro­gres­sistas.

Desde então, de­sen­volve-se a contra-ofen­siva dos par­tidos da po­lí­tica de di­reita, da sua po­lí­tica e leis in­cons­ti­tu­ci­o­nais e re­vi­sões mu­ti­la­doras da Cons­ti­tuição, para res­taurar o poder do ca­pital fi­nan­ceiro, re­con­fi­gurar o Es­tado e li­quidar as con­quistas de Abril.

Hoje, cul­mi­nado este pro­cesso, os ser­viços pú­blicos e fun­ções so­ciais do Es­tado são des­man­te­lados, des­qua­li­fi­cados, en­cer­rados, pri­va­ti­zados, no Ser­viço Na­ci­onal de Saúde, na Es­cola Pú­blica, na Se­gu­rança So­cial, nos trans­portes, na rede viária, na água pú­blica. É uma ló­gica ter­ro­rista de ar­rasar os di­reitos so­ciais «custe o que custar», trans­fe­rindo rendas e lu­cros para o ca­pital fi­nan­ceiro.

Hoje, os tra­ba­lha­dores da Ad­mi­nis­tração Pú­blica, ca­lu­ni­ados pelo Go­verno, são bode ex­pi­a­tório da po­lí­tica de di­reita – uns «pri­vi­le­gi­ados, que nada pro­duzem», cul­pados pela dí­vida, o dé­fice e a «crise».

Hoje, de­pois do Plano de Re­es­tru­tu­ração da Ad­mi­nis­tração Cen­tral, o fa­mi­ge­rado PRACE do PS, que re­de­finiu contra a Cons­ti­tuição as fun­ções nu­cle­ares do Es­tado e a na­tu­reza do vín­culo pú­blico de em­prego, temos o Plano de Re­dução e Me­lhoria da Ad­mi­nis­tração Cen­tral – o PREMAC do PSD/​CDS, um ins­tru­mento agra­vado da re­con­fi­gu­ração do Es­tado e da Ad­mi­nis­tração Pú­blica, que cen­tra­liza, de­sor­ga­niza e des­man­tela ser­viços pú­blicos e fun­ções so­ciais, que re­prime e li­quida di­reitos, con­gela car­reiras, corta sa­lá­rios e sub­sí­dios e lança muitos mi­lhares de tra­ba­lha­dores no de­sem­prego.

Hoje, o re­gime de­mo­crá­tico está di­mi­nuído pelo «ajuste de contas» com Abril e pelo fe­de­ra­lismo da União Eu­ro­peia. A pró­pria de­mo­cracia po­lí­tica é cada vez menos de­mo­crá­tica, cada vez mais «es­treita, am­pu­tada, falsa, pa­raíso para ricos e ar­ma­dilha para os ex­plo­rados», como dizia Lé­nine.

Hoje, os ór­gãos de so­be­rania e os ser­viços e me­ca­nismos es­sen­ciais do Es­tado estão a lé­guas das obri­ga­ções cons­ti­tu­ci­o­nais. E os di­reitos, li­ber­dades e ga­ran­tias de­fendem-se na exacta me­dida em que os tra­ba­lha­dores e o povo os exercem.

Hoje, o avanço e in­ter­co­nexão dos pro­cessos contra-re­vo­lu­ci­o­nário e de in­te­gração ca­pi­ta­lista da União Eu­ro­peia co­locam o País numa si­tu­ação de ex­trema gra­vi­dade, de do­mínio dos grupos mo­no­po­listas e do ca­pital es­tran­geiro, de per­versão do re­gime de­mo­crá­tico e de pro­funda li­mi­tação da so­be­rania na­ci­onal.

Hoje, temos de novo uma for­tís­sima pre­sença de ele­mentos tí­picos do ca­pi­ta­lismo mo­no­po­lista de Es­tado, mas num quadro em que o Es­tado é cada vez mais do­mi­nado e co­lo­ni­zado, no âm­bito da União Eu­ro­peia e do sis­tema im­pe­ri­a­lista.

Hoje, está mais claro que a classe do­mi­nante visa ter­minar a contra-re­vo­lução, con­so­lidar o seu poder e con­cre­tizar a rup­tura ins­ti­tu­ci­onal, com uma re­visão sub­ver­siva da Cons­ti­tuição, para se ver livre deste im­por­tan­tís­simo travão à re­con­fi­gu­ração do Es­tado e à po­lí­tica de di­reita.

A ori­en­tação do Go­verno do PSD/​CDS dum corte de mais quatro mil mi­lhões de euros nas fun­ções so­ciais, com re­curso de­se­jado a uma re­visão gol­pista da Cons­ti­tuição, é o pa­ra­digma desta ori­en­tação e dos pe­rigos que se co­locam ao fu­turo do País.

Por isso, é grave que o PS, em­bora afir­mando que re­cusa a pro­posta e di­zendo que não está dis­po­nível para um «as­salto» ao que, er­ra­da­mente, chama de «Es­tado So­cial», ma­ni­feste aber­tura para uma contra-re­forma do Es­tado.

Talvez o PS pre­fira um qual­quer outro desvio de verbas mais ou menos fur­tivo. Fica a per­gunta – será que para o PS um corte de três mil mi­lhões já seria acei­tável?

Foi a isto que chegou o País, ao cabo de trinta e seis anos de po­lí­tica de di­reita.

Este é o Go­verno do «Es­tado mí­nimo» para os ex­plo­rados, mas Es­tado má­ximo para impor à força a con­cen­tração e cen­tra­li­zação do ca­pital fi­nan­ceiro, como fazia o fas­cismo.

A não ser tra­vada, esta ofen­siva re­sul­tará na ruína dos ser­viços pú­blicos, das fun­ções so­ciais e da ad­mi­nis­tração pú­blica, no de­clínio da de­mo­cracia, dos di­reitos e da li­ber­dade e no afun­da­mento do re­gime de­mo­crá­tico.

E é a luta or­ga­ni­zada dos tra­ba­lha­dores e das po­pu­la­ções, a luta dos co­mu­nistas, dos de­mo­cratas e pa­tri­otas, do lado certo do povo e da pá­tria, que está em con­di­ções de con­ti­nuar a travar e der­rotar a re­con­fi­gu­ração do Es­tado e o de­sastre do País.

A luta é o ca­minho. Por uma al­ter­na­tiva pa­trió­tica e de es­querda, apoiada na Cons­ti­tuição da Re­pú­blica. Pela de­mo­cracia avan­çada e o so­ci­a­lismo.

In­ter­venção pro­fe­rida no XIX Con­gresso do PCP, re­a­li­zado em Al­mada de 30 de No­vembro a 2 de De­zembro



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